A Autofagia da Extrema Direita

Por Política em Debate I Brasília

Em 08/06/2025, 12h36 I Leitura 2 min

Antes de mergulharmos no caos político americano do momento, vale uma breve explicação para o leitor leigo: na biologia, “autofagia” é o processo pelo qual uma célula, diante de estresse ou falta de nutrientes, começa a digerir partes de si mesma para sobreviver. É uma espécie de canibalismo celular: a célula se devora para tentar resistir, mas, se o processo foge do controle, pode acabar levando à sua própria destruição.

Pois é exatamente esse fenômeno que assistimos, em escala política, na extrema direita americana. O trumpismo, outrora unido pelo discurso do “nós contra eles”, agora se volta contra si mesmo, em uma batalha autofágica que ameaça devorar seus próprios líderes e financiadores.


O Circo

A extrema-direita americana, tão afeita a discursos de unidade e força, vive dias de autofagia explícita. O recente rompimento público entre Donald Trump e Elon Musk, agora temperado por intervenções de J.D. Vance, e pelo “veneno” de Steve Bannon, escancara o seu pior. O “bolsonarismo à americana” – a chanchada trumpista – está longe de ser um bloco monolítico. O episódio, detalhado em reportagem do The Guardian, é exemplar: Trump ameaça Musk com “consequências muito sérias” caso ele financie democratas. Isso nos soa à chantagem explícita. Coação. E o recado é claro: quem desafia o chefe, perde proteção e pode ser alvo de retaliação estatal. À semelhança da tal “caneta Bic” do ex-presidente Bolsonaro, no Brasil — inclusive com o corte de contratos bilionários, como Trump já ameaçou publicamente. Enquanto isso, o vice-presidente Vance tenta botar panos quentes e salvar os cacos do que um dia foi uma aliança estratégica.

A relação, que já foi de proximidade e troca de favores, virou um campo de batalha. Trump, que até poucos meses atrás agradecia Musk publicamente e lhe dava as chaves da Casa Branca como símbolo de gratidão, agora diz que não pretende nem falar com o bilionário, alegando estar “muito ocupado fazendo outras coisas”. O ressentimento é explícito: “Ele é muito desrespeitoso com o cargo de presidente”, reclamou Trump, num acesso de vaidade ferida. Mas ele tem razão.

Musk: Inimigo Público do MAGA

Musk, por sua vez, não ficou atrás na escalada de ataques. Depois de chamar o projeto de lei orçamentária dos republicanos de “abominação” e ameaçar financiar adversários democratas dos aliados de Trump, Musk partiu para o ataque pessoal. Insinuou, em postagens no X, que Trump teria ligações comprometedoras com Jeffrey Epstein, inclusive divulgando um vídeo de 1992 em que Trump e Epstein estão em uma “animada festa” com jovens mulheres — uma acusação que, apesar de já ter sido objeto de investigação e não ser novidade, serve como munição simbólica no submundo conspiratório da extrema-direita. Da mesma forma, ao seu estilo pecular, Steve Bannon declarou que Musk é do Partido Comunista Chinês, uma completa sandice, mas que mostra até que ponto esses caras chegam quando um quer destruir publicamente o outro.

Musk ameaça ações contra Trump que podem comprometer o governo I Revista Forum, Brasil

Para ser completa a chanchada, faltou ainda relembrar que  Elon Musk, colocou em dúvida o futuro da indústria espacial americana.  O bilionário ameaçou desativar a cápsula Dragon, crucial para o transporte de astronautas à Estação Espacial Internacional (EEI). Contudo, após novos comentários de seguidores, ele recuou e garantiu que a desativação não ocorreria.

Com relação ao caso “Epstein”, Trump rebateu dizendo que tudo já foi esclarecido, mas o estrago já estava feito: Musk, que gastou quase US$ 300 milhões para eleger Trump e parlamentares republicanos em 2024, agora ameaça virar o jogo e se tornar o maior financiador da oposição. Cadê a ideologia? Desapareceu como fumaça…

Vance: O bombeiro

J.D.Vance: O “bombeiro” na disputa pública entre o presidente Donald Trump e Elon Musk

No meio do incêndio, surge J.D. Vance, vice-presidente e figura vista como “moderada” nesse contexto, tentando evitar que a briga destrua de vez a unidade republicana. Em entrevista, Vance classificou como “um grande erro” o ataque de Musk a Trump, mas tentou justificar dizendo que Musk é “emocional” e que espera que um dia ele “volte ao grupo”. O discurso é típico de quem sabe que, sem o dinheiro e a influência de Musk, o trumpismo perde força — e não pode se dar ao luxo de romper de vez com o bilionário que, de fiel amigo pode ser tornar um formidável adversário. Como já dissemos em outra oportunidade, “nós torcemos pela briga“. Eles se merecem. Que se mordam.

Autofagia e Hipocrisia

O episódio é didático: a extrema-direita, que se vende como antissistema, é, na prática, um condomínio de interesses privados e egos inflados. Quando o dinheiro e o poder entram em rota de colisão, a máscara cai — e o que sobra é um espetáculo de autofagia, ameaças e chantagens públicas. Vance pode até tentar salvar as aparências, mas o trumpismo já mostrou que, quando o jogo aperta, não há lealdade que resista ao cheiro de sangue, poder e dinheiro.

A briga em forma de show mediático, espetáculo, de Trump-Musk-Bannon-Vance é só o sintoma mais recente de uma direita que, incapaz de conviver com divergências, resolve tudo na base do grito, da ameaça e da chantagem.

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