Publicado em 09/04/2025, 20:25h
Tanto Donald Trump quanto Javier Milei representam vertentes radicais da extrema direita contemporânea, atuando como defensores fervorosos de uma agenda fortemente influenciada pelo neoliberalismo — uma doutrina político-econômica que ganhou força a partir da década de 1970, promovendo o desmonte do Estado de Bem-Estar Social, a desregulamentação dos mercados e a abertura econômica irrestrita. O resultado mais tangível foi uma brutal concentração de renda na mão de poucos nos Estados Unidos, criando um abismo socioeconômico entre classes, o que não existia antes. Um dos laboratórios mais horrendos do neoliberalismo foi o Chile do ditador Augusto Pinochet, marcado por uma ditadura sanguinária e um generalizado empobrecimento dos cidadãos.


O regime de Pinochet implementou políticas neoliberais sob a influência dos “Chicago Boys”, economistas formados na Universidade de Chicago. Essas políticas, além das citadas acima, incluíram ainda cortes drásticos no gasto público, incluindo saúde, educação e previdência social. Essas medidas transformaram o Chile em um típico case do neoliberalismo, o mesmo que Milei faz agora com os argentinos.
A repressão política durante o regime de PInochet foi brutal, com mais de 3.000 mortos ou desaparecidos e mais de 40.000 casos de tortura registrados. A violência estatal foi usada para eliminar opositores políticos e garantir a implementação das reformas econômicas. Guardadas as devidas proporções, a truculência da polícia de Milei em calar e reprimir os contrários a sua gestão, lembra as mesmas práticas fascistas de Pinochet.
Sob Milei, a repressão violenta contra manifestantes e jornalistas tem sido uma característica recorrente. Durante protestos contra suas reformas neoliberais, a polícia usou gás lacrimogêneo, balas de borracha e prisões arbitrárias para dispersar multidões, deixando centenas de feridos e criminalizando a oposição política. A prática de rotular manifestantes como “terroristas” reflete uma tentativa de deslegitimar dissidências e justificar a violência estatal.

As reformas neoliberais aprofundaram a desigualdade social no Chile. O sistema previdenciário privatizado deixou milhares de idosos na miséria, com 80% das aposentadorias abaixo do salário mínimo, levando grande número deles ao suicídio. Cabe mencionar que a privatização dos serviços públicos deteriorou a qualidade da saúde e educação, impactando desproporcionalmente as classes sociais, com um óbvio prejuízo para as classes mais baixas.
Nos Estados Unidos, berço do neoliberalismo, essa corrente foi institucionalizada a partir do governo Ronald Reagan (1981), com consequências profundas: a terceirização em massa da indústria para países como a China. Um capitalista ganhava mais dinheiro no mercado da especulação financeira, com risco muito baixo, do que produzindo um bem tangível. Um bem de consumo. Uma lâmpada ou um Iphone de hoje. Tardiamente, após mais de 40 anos, Trump e os últimos presidentes que o precederam, desde Barack Obama, tenta dar marcha à ré nisso. Tarde demais? Provavelmente sim.
O neoliberalismo nos Estados Unidos também levou, com a perda do poder de barganha do trabalho assalariado, a uma forte desarticulação dos sindicatos, à estagnação dos salários reais e ao enfraquecimento das políticas públicas sociais, que sustentavam parte da classe média. O país, que outrora liderava em produção industrial, passou a depender do setor financeiro e de cadeias globais de suprimento — um modelo que ampliou desigualdades e precarizou o trabalho.
Trump, embora tenha discursado contra os efeitos da globalização, aplicou soluções que se alinham ao receituário neoliberal: redução de impostos para grandes corporações, cortes em programas sociais e ataques a instituições multilaterais. Trump e suas contradições lembram a música “metamorfose ambulante” do cantor brasileiro Raul Seixas. Parece que Trump tenta moldar um híbrido entre o neoliberalismo e o nacionalismo exacerbado. Um nacional-liberalismo.
“Prefiro ser essa metamorfose ambulante
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Eu quero dizer agora o oposto do que eu disse antes
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”

Da mesma forma, Milei, com forte retórica anti-estado e antipolítica, aplica na Argentina um plano de choque neoliberal que lembra o chamado “Consenso de Washington”, mesmo diante de um cenário social já profundamente fragilizado.
A análise a seguir examina como essas posturas políticas e econômicas, embora adotadas em contextos distintos, revelam semelhanças estruturais em seus impactos sociais e econômicos, especialmente sobre a classe média, o poder de compra da população e a estabilidade das instituições nacionais.
Impactos Econômicos: tarifas de Trump e o ajuste fiscal de Milei
Nos Estados Unidos, o governo Trump (2017–2021) impôs uma série de tarifas sobre produtos importados, principalmente da China, com o objetivo de proteger a indústria americana e reduzir o déficit comercial. Embora essas medidas tenham tido algum impacto positivo em setores como o aço e o alumínio, diversos estudos mostraram que os consumidores americanos arcaram com o aumento dos preços.
Agora, no segundo governo Trump, as incertezas são muito maiores e o cenário criado de uma guerra comercial brutal ganhou contornos dramáticos, com a China retaliando os EUA e aumentando as tarifas de importação de todos os produtos americanos para 84%, frente aos 104% impostos por Trump e, há pouco, Trump apostando ainda mais no confronto entre esses dois gigantes da economia, aumentou de novo as tarifas contra os chineses para 125%.
Até aonde os dois líderes, nesse jogo geopolítico irão, é só aguardar pelos próximos movimentos. Entretanto, criticado por poderosos players bilionários que apoiaram a sua candidatura vitoriosa, dentre eles Elon Musk, Trump acabou de anunciar uma moratória com tarifa de 10%, para todos os países, por 90 dias, de forma a se negociar caso a caso. Um recuo, já que ele havia negado que faria isso. A exceção nesse recuo, óbvio, é a China que, estrategicamente, parece tentar atrair o resto do mundo para si, aproveitando o radicalismo transloucado de Trump e seus assessores.
Quanto à Javier Milei, ele assumiu a presidência da Argentina em dezembro de 2023, enfrentando uma crise econômica aguda, inflação acima de 200% ao ano e reservas cambiais escassas. Seu “Plano Motosserra” — que inclui cortes de subsídios, contenção de gastos públicos, não reajustamento de pensões e obrigações previdenciárias do Estado, e flexibilização de controles estatais, foi apresentado como uma tentativa de estabilização macroeconômica. Os resultados de Milei são pífios ou inexistentes. As maquiagens contábeis e fiscais, de um sucesso inexistente, são abundantes e, claro, há o endividamento galopante da Argentina frente ao FMI, que é quem de fato da as cartas, e sustenta o governo de Milei.
Poder de compra e classe média em xeque
Durante o primeiro governo Trump os salários reais apresentaram crescimento modesto, mas as tarifas alfandegárias afetaram segmentos específicos da classe média, especialmente em estados agrícolas e industriais.
Na Argentina, os efeitos da inflação e dos ajustes recaíram diretamente sobre o poder aquisitivo da classe média e baixa. Segundo o INDEC, o salário médio real caiu 24% nos primeiros meses de 2024, e a pobreza subiu para 52,9% da população.
Desafios às instituições econômicas
Trump adotou uma postura crítica em relação à instituições multilaterais como a Organização Mundial do Comércio (OMC), chegando a bloquear o funcionamento do órgão de apelações da entidade.
Milei, por sua vez, propôs ideias radicais como a eliminação do Banco Central argentino e a dolarização da economia, o que gerou amplo debate entre economistas e juristas. Até hoje isso não aconteceu e nem deve ocorrer.
Entre o idealismo neoliberal e os limites da realidade
As gestões de Trump e Milei compartilham elementos comuns: uma retórica antiestablishment, a aposta em reformas econômicas radicais e o enfrentamento direto às instituições tradicionais, o que domesticamente inclui até o poder judiciário.
Enquanto Trump operava e volta a operar em uma economia robusta e com margem de manobra, Milei enfrenta o desafio de ajustar uma economia em colapso. Os dois casos mostram que políticas econômicas de viés neoliberal, disruptivas, não consideram o timing, o contexto e, sobretudo, o impacto social de seus questionáveis preceitos econômicos.
O modelo neoliberal está falido. Ele é gerador de injustiças, pobreza e tensões sociais, que só satisfaz o apetite de uma minúscula parcela de privilegiados, bilionários e milionários, que se banqueteiam com o “sangue do trabalhador”, assalariado ou não, lhes sugando como vampiros.
Uma resposta