Bolsonaro, Mauro Cid e a mídia requentando fatos

Por Política em Debate I Brasília
Em 14/06/2025, 16h16 I Leitura 3 min
A mais recente reviravolta no caso Mauro Cid mostra como fatos antigos podem ser requentados e utilizados estrategicamente para favorecer a narrativa de inocência do ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados. O episódio evidencia uma disputa política e midiática em torno da credibilidade das delações e da condução das investigações sobre a tentativa de golpe de Estado.
No ano passado, surgiram notícias de que o tenente-coronel Mauro Cid teria sido coagido pela Polícia Federal (PF) e até pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a implicar Bolsonaro em sua delação premiada. O suposto vazamento dessa informação, nunca esclarecido quanto à autoria, serviu para alimentar a tese de que a colaboração de Cid seria inválida, o que beneficiaria diretamente Bolsonaro. No entanto, em depoimento posterior, Cid negou qualquer pressão e reafirmou a espontaneidade de sua delação, o que levou o STF a manter o acordo válido.
Recentemente, durante os depoimentos do chamado “núcleo central golpista”, Cid voltou a confirmar os fatos relatados anteriormente e reiterou que não sofreu coação por parte da PF. O STF, por sua vez, manteve a validade da delação, considerando que o colaborador esclareceu eventuais omissões e contradições apontadas pela PF.
A Nova Investida: Reportagem da Veja e o Pedido de Bolsonaro
A revista Veja publicou matéria afirmando que Mauro Cid mentiu ao STF sobre o uso de redes sociais para tratar de sua delação, apresentando supostas mensagens trocadas por um perfil no Instagram (@gabrielar702), que seria vinculado a Cid ou à sua esposa. Segundo a reportagem, as mensagens indicariam que Cid teria mantido comunicações clandestinas durante o período em que estava proibido de usar redes sociais, o que configuraria violação das condições do acordo e mentira ao STF.
A defesa de Cid negou veementemente a autenticidade dessas mensagens, classificando-as como “fake news” e solicitando ao STF investigação sobre o perfil citado. Mesmo assim, Bolsonaro rapidamente se aproveitou da nova denúncia para pedir a anulação da delação de Cid, alinhando-se à estratégia de desqualificar o colaborador e, por consequência, enfraquecer as provas contra si.
O Impacto Real da Anulação da Delação
Apesar do barulho midiático e político, a avaliação da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República (PGR) é que uma eventual anulação do acordo de colaboração de Cid não derrubaria as provas já colhidas. Os benefícios concedidos ao delator poderiam ser revistos, mas o processo e as provas autônomas permaneceriam válidos e íntegras. Ou seja, a anulação do acordo prejudicaria Cid mas não beneficiaria Bolsonaro.
“O Supremo pode anular a delação, mas os ministros vão dizer que a delação foi apenas um caminho na busca por provas, e que existem provas autônomas que provam a culpa dos réus. O Cid é quem mais tem a perder com a divulgação das mensagens. Delação é meio de obtenção de prova. Se você obteve a prova, isso não invalida as provas.”
A Narrativa da Fuga: Família de Cid em Portugal
Outra frente de especulação envolve a viagem da família de Mauro Cid para o exterior. A imprensa noticiou que a esposa, o pai e uma das filhas de Cid viajaram para Portugal no final de maio. Não há qualquer impedimento legal para a saída deles do país, e a defesa afirma que há passagens de volta compradas, afastando a tese de fuga planejada. A tentativa de vincular a viagem da família a uma iminente fuga de Cid carece de fundamento concreto e serve mais à construção de um clima de suspeição do que fatos objetivos.
Requentar Fatos Funciona?
Requentar fatos funciona como distração e mobilização de apoiadores, além de se tentar deslegitimar provas da justiça. O caso Mauro Cid ilustra como fatos antigos e novos podem ser reciclados e amplificados para tentar livrar Bolsonaro e seus patrocinadores das consequências legais. A estratégia de desqualificar delações, questionar a integridade das investigações e criar suspeitas sobre testemunhas é uma tática recorrente em disputas judiciais de alto impacto político. No entanto, até o momento, as instituições têm mantido a validade das provas e dos processos, apesar das tentativas de manipulação e pressão midiática.
A construção de fatos para livrar Bolsonaro segue em curso, mas a robustez das investigações e as provas coletadas mostram que a verdade jurídica não se dobra facilmente ao jogo de narrativas.