
Por Política em Debate I Brasília
Em 28/05/2025, 19h40 I Leitura 2 min
O governo brasileiro aposta alto na atração de data centers de gigantes como TikTok, Google e outros serviços digitais, vendendo a ideia de que essa infraestrutura é vital para a reindustrialização e a transformação digital do país. Mas, olhando de perto, fica difícil enxergar onde está o verdadeiro ganho para a sociedade — e muito fácil identificar os prejuízos.
Promessas e realidade dos empregos
O discurso oficial fala em desenvolvimento, empregos e modernização. Mas os números não empolgam: o setor de data centers gera cerca de 40 mil empregos diretos no Brasil, com potencial de multiplicação em setores adjacentes. Só que, para um investimento bilionário e instalações do tamanho de 12 campos de futebol, esse impacto é pífio perto do que se espera de uma política industrial robusta. Será que realmente vale a pena estimular maciçamente tal atividade? Há de se pesar não só as perspectivas de receitas, impostos e empregos, mas todo o balanço visando a sustentabilidade da atividade a longo prazo.
O mercado brasileiro de data centers teve projeção de movimentar cerca de US$ 2,07 bilhões em receitas em 2024, mas ainda não há dados consolidados se essa expectativa, de fato, foi atingida ou mesmo superada. A projeção para 2029 é de US$ 3,5 bilhões, segundo estimativas da Brasscom, entidade que representa empresas de tecnologia da informação e comunicação. Isso representa um crescimento médio anual de 11,05%. Atualmente, há aproximadamente 180 data centers em operação no país, que deve concentrar metade dos investimentos desse segmento em toda a América Latina.
Esse protagonismo se explica pela função estratégica dos data centers, que são fundamentais para a infraestrutura da internet, armazenando dados e suportando aplicativos essenciais à economia digital.
Apesar do avanço, a Brasscom ressalta que o setor ainda precisa de mais aportes para acompanhar a crescente demanda tecnológica da região. Para efeito de comparação, os Estados Unidos contam com mais de 5.300 data centers — um número 70% superior à soma dos dez maiores mercados mundiais. A América do Norte responde por 44% do consumo global de energia em data centers, enquanto Ásia e Pacífico ficam com 30%. Já a América Latina representa apenas 2% desse total.
O custo ambiental: água, energia e território
O que os data centers realmente consomem é água, energia e território — em volumes assustadores. Para resfriar os supercomputadores que mantêm a IA do TikTok funcionando, por exemplo, são necessárias toneladas de água e uma quantidade absurda de energia elétrica, muitas vezes em cidades que já sofrem com estiagem e desabastecimento, como Caucaia, no Ceará. O consumo é tão alto que já há alertas de que a demanda por energia para IA pode superar a capacidade das concessionárias até 2027, comprometendo a estabilidade da rede nacional.
A capacidade instalada em MW do Brasil considerando todas as fontes de geração de energia
Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a capacidade instalada total é de aproximadamente 200.000 MW (200 GW)
Distribuição por fonte:
- Hidrelétricas: ~60% (120.000 MW)
- Termelétricas (gás, carvão, biomassa, óleo): ~20% (40.000 MW)
- Eólicas: ~13% (26.000 MW)
- Solares: ~7% (14.000 MW)
- Nuclear: ~1% (2.000 MW)
Vamos fazer uma estimativa, o mais realista possível, do consumo energético diário do ChatGPT, considerando o tempo médio de uso e um atendimento em 24 horas entre 100 e 180 milhões de usuários. Os dados públicos e estimativas do setor de tecnologia sugerem que o tempo médio de uso diário por usuário em plataformas como ChatGPT fica entre 5 e 15 minutos. Vamos usar um valor intermediário de 10 minutos por usuário/dia para o cálculo.
Consumo energético estimado
- Modelos de IA generativa (como GPT-4) consomem, em média, entre 0,5 e 2 kWh por 1.000 perguntas ou respostas curtas (estimativa baseada em dados da Hugging Face, OpenAI e estudos acadêmicos recentes).
- Uma resposta média de chat leva cerca de 1-2 segundos de processamento pesado, mas para cinco minutos contínuos de interação, o consumo pode ser maior devido à manutenção de contexto e recursos de servidor.
- Estimativa conservadora: 5 minutos de uso intenso ≈ 0,05 a 0,1 kWh (considerando o processamento, resfriamento e overhead do data center).
Logo, para 10 minutos de uso temos ≈ 0,10 a 0,20 kWh por usuário/dia
Resumindo. Se cada um dos 140 milhões de usuários usasse simultaneamente a IA por 24 horas, o consumo energético diário seria entre 2,0 e 4,0 TWh — um valor comparável ao consumo de energia de países inteiros em um dia. Para efeito de comparação, o consumo total de energia elétrica do Brasil em um dia gira em torno de 1,5 a 2 TWh.
Esses valores são teóricos e consideram uso contínuo e intenso de cada usuário durante 24 horas, o que é altamente improvável na prática. Mesmo assim, a conta ilustra o potencial impacto ambiental da IA generativa em larga escala.
Os dados reais apontam para consumo de uma IA, como o ChatGPT, de 14 GWh ( 0,10 KWh por usuário ) até 28GWh (0,20KWh por usuário), considerando 10 minutos de uso diário.
Capacidade instalada diária do Brasil
Total teórico: 4.800 GWh/dia (ou 4.800.000 MWh/dia ou 4,8 TWh/dia)
Consumo diário estimado do data center
- Mínimo: 14 GWh/dia
- Máximo: 28 GWh/dia
Cálculo dos percentuais
- Mínimo:
14 GWh/4.800 GWh×100≈0,29% - Máximo:
28 GWh/4.800 GWh×100≈0,58%
Se um data center atendendo 140 milhões de usuários ativos/dia, cada um usando 10 minutos, estivesse no Brasil, ele consumiria entre 0,29% e 0,58% de toda a capacidade instalada de geração elétrica do país em um dia.
Comparação de Consumo Entre um Data Center e uma Cidade
Para estimar a população equivalente ao consumo energético diário de um data center que atende 140 milhões de usuários ativos por dia (usando 10 minutos cada), consumindo entre 14 e 28 GWh por dia, precisamos considerar o consumo médio diário de energia por habitante no Brasil, que é de aproximadamente 4,93 kWh/dia por habitante (dados da EPE e ONS). Portanto, o consumo energético diário do data center, no cenário teórico analisado, seria equivalente ao consumo médio diário de energia elétrica de uma cidade brasileira com população entre 2,8 milhões e 5,7 milhões de habitantes. Para efeito de comparação, isso corresponde a, aproximadamente, as populações das cidades somadas de Salvador (BA) e Fortaleza (CE) – 5,1 milhões de habitantes – e Belo Horizonte (2,3 milhões ).

O Mercado de Energia, os Data Centers e o Hidrogênio Verde
A instalação de data centers no nordeste parece ter por razões a proximidade geográfica dos cabos submarinos de internet entre os Estados e o Brasil e entre a Europa e o Brasil, além de contar com energia eólica e solar, renováveis, mas intermitentes, o que carrega o custo de se armazenar energia em horários de intermitência de consumo ou de geração.
Nos parece haver um problema entre os players fornecedores de energia no país, isto é, as hidroelétricas e as térmicas, que querem se manter privilegiadas no sistema nacional integrado de energia à todo custo; e a energia solar e a eólica competem nesse nicho. Em termos de faturamento, o bolo fica menor. Então, há uma intensa luta de bastidores, lobbies, nesse sentido e, nessa batalha de bastidores, as renováveis levam a pior, e isso desestimula novos investimentos em solar e eólicas no nordeste, região mais privilegiada por insolação ao longo do ano e regime de ventos que favorecem a geração de energia. Dessa forma, instalar data centers acaba contribuindo para um equilíbrio de interesses corporativos – o consumidor que pague, como sempre foi e será – de se manter o estímulo na geração de energias renováveis no Brasil. Outro uso dessa energia é o hidrogênio verde, também no nordeste.
O papel no plano de reindustrialização
No papel, os data centers aparecem como “alavancas” para a modernização industrial, parte da missão de digitalizar e tornar mais competitiva a indústria nacional. O governo oferece incentivos fiscais, isenção de tarifas para importação de equipamentos e quer transformar o Brasil em hub global de processamento de dados e IA. Mas, na prática, a política privilegia interesses de grandes corporações globais, enquanto ignora os alertas ambientais e deixa comunidades inteiras sem voz no processo decisório.
No fim das contas, a estratégia de atrair data centers de big techs para o Brasil nos causa dúvidas quanto a um olhar no futuro. O governo ignora riscos ambientais, escanteia o Ministério do Meio Ambiente e vende incentivos para empresas que, no máximo, vão deixar uma pegada ecológica gigantesca e um punhado de empregos. Se a ideia de reindustrialização é essa — entregar água, energia e território para alimentar algoritmos estrangeiros —, nos parece que estamos longe de um projeto de país que respeite seu povo e seus recursos naturais.