
Por Política em Debate I Brasília
Em 23/05/2025, 20h37 I Leitura 2 min
Em um mundo cada vez mais conectado digitalmente, mas paradoxalmente marcado pela solidão e desconexão emocional, surge um fenômeno intrigante: a crescente popularidade dos bebês reborn. Estas bonecas hiper-realistas, que imitam com precisão impressionante recém-nascidos humanos, têm sido tratadas por alguns adultos como filhos reais, recebendo cuidados e atenções que vão além do simples colecionismo ou uso terapêutico.

Após ter o pedido negado, a “avó” da bebê reborn reclamou com a médica e disse que era só “fingir que deu” a vacina na boneca
Recentemente, um caso em Itajaí (SC) chamou a atenção: uma mulher tentou vacinar uma boneca reborn em uma Unidade Básica de Saúde, com o intuito de filmar a ação e publicá-la nas redes sociais. O pedido, claro, foi negado pela equipe médica, que explicou a impropriedade do ato e o desperdício de recursos públicos envolvidos. A mulher, insatisfeita, deixou o local exaltada .
Especialistas em saúde mental apontam que, embora os bebês reborn possam ser utilizados como ferramentas terapêuticas em contextos específicos, como no auxílio ao luto ou em casos de demência, há riscos significativos quando se estabelece um vínculo emocional profundo e permanente com esses objetos. Tal comportamento pode indicar dificuldades em lidar com perdas, frustrações ou na formação de vínculos humanos reais, potencialmente agravando quadros de depressão ou ansiedade .
A substituição de relações humanas por laços com objetos inanimados reflete uma sociedade que, em busca de controle e segurança, evita o enfrentamento das complexidades e responsabilidades inerentes aos relacionamentos reais. Enquanto milhares de crianças aguardam por adoção, é preocupante observar recursos e afetos sendo direcionados a bonecas, por mais realistas que sejam.
Já existem modelos de bebês reborn integrados com recursos de inteligência artificial (IA) disponíveis no mercado. Esses modelos avançados vão além da estética hiper-realista, incorporando funcionalidades interativas que simulam comportamentos de um bebê real.
Por exemplo, alguns desses bebês reborn com IA são capazes de realizar movimentos suaves, emitir sons como choros e balbucios, e até responder a estímulos externos, proporcionando uma experiência mais imersiva para os cuidadores. Essas funcionalidades são possíveis graças à integração de sensores e algoritmos de IA que interpretam e respondem a interações humanas.
Um caso notório é o de uma artista brasileira que desenvolveu um bebê reborn com IA, capaz de movimentos realistas e interações sonoras, demonstrando como a tecnologia está sendo aplicada para tornar essas bonecas ainda mais próximas de um bebê real. Esses modelos têm atraído entusiastas que buscam uma experiência mais autêntica e interativa.
Bebês Reborn e a Infantilização Emocional

O psiquiatra Carlos Hecktheuer analisa que o apego excessivo a bonecas reborn pode ser compreendido como uma manifestação de fetiche, relacionado à substituição simbólica de vínculos afetivos ou da própria sexualidade. Segundo ele, em muitos casos, esses vínculos representam tentativas inconscientes de lidar com sentimentos de solidão, desamparo ou traumas da infância. Ele afirma: “Essas pessoas criam um objeto feitiçante. Elas projetam nesses bonecos a própria vida, o próprio ânimo. É como se a boneca tivesse vida, porque quem a manipula está atribuindo esse sentido“.
A psicóloga e pesquisadora Ilana Pinsky observa que o fenômeno dos bebês reborn extravasa o nicho artístico e se transforma em um espetáculo nas redes sociais. Ela destaca que adultos tratam bonecos hiper-realistas como se fossem bebês reais, com direito a quartinho decorado, certidão de nascimento e festa de mesversário. Pinsky questiona: “O que os bebês reborn nos dizem sobre os vínculos hoje?“.
O psiquiatra Marcelo Honda Yamamoto aponta que muitas mulheres aderem à tendência como forma de realizar um sonho ou lidar com o “ninho vazio” após os filhos crescerem. Ele alerta que, quando há confusão entre realidade e fantasia, é preciso atenção: “O importante é observar o impacto que esse hábito gera na vida da pessoa. Se está servindo apenas como uma forma de conforto sem prejuízo a outras áreas, tudo bem. Mas, se for uma fuga de um vazio emocional ou frustração que precisa ser enfrentada, é algo que exige cuidado” . Já a psicóloga Gisele Hedler ressalta: “O que estamos vendo, atualmente, é uma comunidade de mulheres que realmente assumem o papel de mãe de bebês reborns e não conseguem distinguir a realidade do imaginário”.
O envolvimento emocional intenso com bebês reborn pode ser interpretado como uma forma de infantilização emocional, onde o indivíduo busca, por meio de objetos inanimados, suprir carências afetivas e evitar o enfrentamento de realidades dolorosas. É fundamental que tais comportamentos sejam compreendidos no contexto de cada indivíduo, considerando suas experiências e necessidades emocionais, e que, quando necessário, haja intervenção profissional para promover o bem-estar psicológico.
É fundamental ainda promover uma reflexão sobre as motivações por trás desse fenômeno e buscar formas de fortalecer os vínculos humanos autênticos, incentivando o enfrentamento saudável das dores e frustrações da vida real, em vez de recorrer a substituições ilusórias que podem aprofundar o isolamento e a desconexão emocional.