
Por Política em Debate I Brasília
Em 01/05/2025, 19h25h I Leitura: 1 min
A pergunta “Cadê as queimadas?” revela muito mais do que uma simples dúvida sobre o noticiário ambiental, que uma pessoa conhecida me fez hoje ao falarmos de política. Ela expõe um dos mecanismos mais sofisticados de manipulação de massa utilizados pela extrema direita: a distorção sistemática da realidade para criar confusão, semear dúvidas e transformar cidadãos comuns em propagadores ativos de desinformação.


A construção da dúvida e o apagamento dos fatos
Em 2024, o Brasil enfrentou uma onda devastadora de incêndios, grande parte deles criminosos, irresponsáveis e antipatrióticas: Um chamado durante uma manifestação em São Paulo – ” Vai pegar fogo !” – foi interpretado como “senha” para a série de incêndios que ocorreram em São Paulo. O ato, bolsonarista, foi promovido pelo pastor Silas Malafaia e associado aos incêndios criminosos.


Os incêndios devastaram vastas áreas da Amazônia, do Pantanal e do Centro Oeste do país, e o objetivo era claro: desestabilizar o governo Lula comprometido com a agenda ambiental e, ao mesmo tempo, criar um clima de caos e desconfiança.
No entanto, a pergunta “Cadê as queimadas?” tenta negar o ocorrido, como se tudo não passasse de uma invenção ou exagero do governo e da mídia. Essa estratégia é parte de um roteiro já conhecido: negar a realidade, relativizar crimes e transformar a vítima em culpada. O discurso ignora tanto a repressão crescente às queimadas ilegais – com multas pesadas e ameaças de desapropriação de proprietários que praticam queimadas – quanto as mudanças climáticas e a transição dos fenômenos El Niño para La Niña, que alteram o regime de chuvas e influenciam diretamente o número de focos de incêndio.
A tática da distração e o controle da agenda
Segundo Noam Chomsky, uma das principais técnicas de manipulação de massa é a estratégia da distração: desviar o foco dos problemas reais, inundando o debate público com temas irrelevantes, contraditórios ou fabricados, impedindo que a sociedade se aprofunde em questões essenciais. Ao questionar “Cadê as queimadas?”, o objetivo não é buscar informação, mas desviar a atenção do fracasso de pautas caras ao bolsonarismo, como a fadada ao fracasso, agenda pela anistia aos golpistas do 08 de janeiro de 2023 e o iminente julgamento de Bolsonaro como réu por crimes associados à tentativa de golpe de Estado.
Essa manipulação não é fruto do acaso. Ela é planejada, coordenada e disseminada por redes de extrema direita que atuam em múltiplas plataformas, das redes sociais abertas aos grupos fechados e criptografados. Pesquisas mostram que poucos agentes, com múltiplas contas, são responsáveis por grande parte do conteúdo de ódio e desinformação, criando a ilusão de consenso e pressionando a agenda política nacional.
A transformação do indivíduo em agente ativo da desinformação
O processo de manipulação é progressivo. Começa com a exposição a conteúdos distorcidos, passa pela aceitação de “verdades alternativas” e culmina na atuação ativa: o indivíduo não apenas acredita, mas replica, defende e até cria novas narrativas falsas. Ele se torna, assim, um agente da desinformação, convencido de que está do lado certo da história.
A solução, como apontam especialistas, passa pela educação midiática, pelo fortalecimento das instituições e pela punição efetiva dos crimes ambientais e de desinformação. Mas, sobretudo, exige que não normalizemos o absurdo, como alertou o ministro do STF Flávio Dino: é preciso manter o estranhamento diante da tentativa de reescrever a história recente do país, seja sobre queimadas, seja sobre ataques à democracia.
“Não podemos normalizar o absurdo. Temos que manter o estranhamento com o fato de que 60% do território nacional está sentindo os efeitos dos incêndios florestais e das queimadas. Isso é um absurdo, isso é inaceitável.” – Ministro Flávio Dino
Enquanto a manipulação seguir como arma política, perguntas como “Cadê as queimadas?” continuarão a circular no seio da sociedade, não como busca por verdade, mas como estratégia para manter a sociedade refém da dúvida e da mentira. O desafio, para quem defende a democracia e a verdade factual, é não cair nessa armadilha.