
Por Política em Debate I Brasília
Em 24/05/2025, 19h05 I Leitura 2 min
O conceito de soft power, introduzido por Joseph Nye, refere-se à capacidade de um país influenciar outros por meio de sua cultura, valores e políticas, ao invés de coerção ou pagamento. O cinema é uma das ferramentas mais eficazes desse poder brando, moldando percepções e promovendo narrativas nacionais no cenário global.

Historicamente, os Estados Unidos dominaram essa arena através de Hollywood, projetando ideais e versões de eventos históricos que favorecem sua imagem. Filmes que retratam os indígenas americanos como selvagens ou que enfatizam o papel dos EUA na derrota do nazismo são exemplos de como o cinema pode ser utilizado para reforçar determinadas narrativas, ao contrário dos fatos históricos que retratam o genocídio promovido pelos Estados Unidos, que mostram que a expansão dos colonos americanos do leste (13 colônias inglesas) para o oeste resultou em um processo devastador para as populações indígenas, com massacres, remoções forçadas e destruição de culturas inteiras.
Embora seja difícil precisar um número exato de indígenas mortos devido à diversidade de etnias, à extensão do território e à falta de registros precisos, as estimativas apontam para a morte de milhões ao longo do século XIX.
Da mesma maneira, Hollywood subverteu a história sobre como, de fato, se deu a derrota dos nazistas durante a segunda grande guerra. Os filmes hollywoodianos mostram os “heróis americanos e aliados” entrando triunfais em uma Berlim destruída, mas escondem o decisivo papel da URSS na derrota a Hitler . Aliás, foram os soviéticos quem primeiro chegaram a Berlim derrotando, de vez, o que restou do poderoso exército nazista. O papel da União Soviética foi central, e deveria ser mais reconhecido internacionalmente. Por causa dessa negação da história, na década de 50 a maioria dos europeus atribua aos soviéticos a derrota do nazismo. Hoje não.
A forma como a história é contada reflete tanto interesses políticos quanto culturais. Entretanto, não há de se negar a história como faz os filmes hollywoodianos. A vitória sobre o nazismo foi, sim, resultado do esforço conjunto dos Aliados, incluindo EUA, Reino Unido, França, Canadá, Brasil e outros, além da União Soviética. A Lei de Empréstimo e Arrendamento, por exemplo, um apoio dos Estados Unidos à União Soviética – de aproximadamente 10% de todo o esforço material de guerra dos russos – foi muito importante para conter os exércitos nazistas em direção ao leste.

Trump sabe muito bem o peso do dólar e de Hollywood, como ferramentas de soft power. Recentemente, percebendo o avanço do soft power estrangeiro em seu próprio país, a administração trump impôs uma taxa de 100% contra os filmes estrangeiros em exibição nos Estados Unidos, alegando que eles são um perigo para a segurança nacional, e que eles estariam destruindo a indústria cinematográfica de Hollywood. Há ainda a polêmica envolvendo o TikTok, acusado de “promoção de cultura estrangeira” e “espionagem”, por, pretensamente, coletar dados do público americano, e repassá-los ao governo chinês. Aliás, como fazem as bigtechs americanas, de forma descarada. O caso envolve o banimento da plataforma de solo americano ou a venda da operação americana da ByteDance (proprietária do TikTok) para o capital local. Ainda não há desfecho sobre essa batalha, que foi parar na Suprema Corte Americana.
Recentemente, o Brasil deu mais um passo significativo nesse campo, com um filme de sucesso de crítica: O filme “O Agente Secreto”, dirigido por Kleber Mendonça Filho e estrelado por Wagner Moura. Ambientado em Recife durante a ditadura militar dos anos 1970, aborda temas como repressão política e identidade nacional. A produção foi aclamada no Festival de Cannes de 2025, onde Wagner Moura recebeu o prêmio de Melhor Ator e Kleber Mendonça Filho foi reconhecido como Melhor Diretor. A estreia mundial do longa se dá ainda nesse semestre em todo o mundo e, certamente, terá tanto sucesso quanto o vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro edição 2025, ‘Ainda Estou Aqui.
O sucesso de “O Agente Secreto” e “Ainda Estou Aqui” não apenas destaca o talento brasileiro, mas também demonstra como o país pode utilizar o cinema para contar suas próprias histórias, influenciar percepções internacionais e fortalecer sua presença cultural global. Em um mundo onde narrativas são poder, o Brasil mostra que está pronto para contar as suas com autenticidade e impacto.