Publicado em 28/10/2024
Revisto em 29/10/2024 10:02h
O resumo das eleições para a escolha dos novos prefeitos em 2024 mostrou que o centro foi o grande vencedor, e que a propalada polarização da sociedade entre a extrema esquerda e a extrema direita não existe. Uma polarização inventada, já que a governança atual é plural e abriga inúmeros partidos que vai do progressismo à direita. Veja os números.
Resumo da eleição
- (há ligeiras divergências de números de site para site que publicou esse resumo)
- PSD – 887 prefeitos.
- Capitais : Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis, São Luís.
- MDB – 856 prefeitos.
- Capitais : São Paulo, Porto Alegre, Belém, Macapá, Boa Vista.
- PP – 747 prefeitos.
- Capitais : João Pessoa e Campo Grande.
- União Brasil – 584 prefeitos.
- Capitais : Goiânia e Natal.
- PL – 516 prefeitos.
- Capitais : Rio Branco, Maceió, Aracaju, Cuiabá.
- Republicanos – 435 prefeitos.
- Capital : Vitória.
- PT – 252 Prefeitos.
- Capital : Fortaleza.
Nos bastidores da política o que se viu é que o grande perdedor, se podemos dizer assim, foi o PL de Valdemar da Costa Neto e de Bolsonaro, que tinham a pretensão de fazer 1500 prefeitos no pleito eleitoral de 2024 e fizeram somente 516 prefeitos. E se há um vencedor esse foi o PSD de Kassab com os 887 prefeitos eleitos, que junto com o MDB (856 prefeitos ) respondeu por quase 41% de todas as prefeituras em disputa de comando.
A derrota atribuída ao PT (252 prefeitos mesmo na governança do país) parece mostrar que a esquerda, e junto a ela o PT, está falando para convertidos, e não para o povão, e/ou que a dinâmica da sociedade atual impõe uma nova forma de abordagem de comunicação à medida que o cidadão que se beneficia de melhores condições de vida e se torna cada vez mais avesso à discursos de mudanças pragmáticos e de igualdade como prega a esquerda. Veja.. “Se eu estou melhorando de vida, pra que mexer?”
E como os extratos sociais mais frágeis são mais facilmente cooptados por palavras chave relacionadas ao discurso da direita, se torna difícil esperar mudança.
Cabe lembrar que a maioria das pessoas tem intelecto mediano, típico de uma curva em sino. Esse tipo de cérebro tende a ter mais medo do novo, do amanhã. Ele prefere a segurança à arriscar. A derrota de Boulos não foi para Ricardo Nunes, um político pra lá de envolvido com tudo de pior, foi pra esse tipo de cérebro limitado em suas percepções.
O discurso de “socialização dos resultados”, típicos do presidente Lula, do PT e do PSOL , não faz mais sentido nesse mundo cada vez mais individualista e adepto ao “mérito”. A palavra da esquerda tem que ser reinventada nessa nova sociedade. A política, justa, por exemplo, de remediação mínima social, especialmente o bolsa família, é uma faca de dois gumes. Ela ajuda – e vicia – os necessitados mas revolta as classes que batalham dia-a-dia. Eu falo do cara pobre que acorda cedo e trabalha e, por extensão, da maioria que dá duro e é explorada, e que acha injusto esse tipo de auxilio que, na visão dela, é para malandro não trabalhar e a mulher ter mais filhos, para ganhar mais auxílios. A falta de educação, de conscientização dessas pessoas pela esquerda e, simultaneamente, a lavagem cerebral empreendida pela direita, usando as pregações de Olavo de Carvalho e de outros, criou essa mentalidade individualista, do sujeito que acha que vai ficar milionário entregando comida pelo I-Food.
No período de 2003 a 2016 o PT, e a esquerda como um todo, achou que melhorar a vida das pessoas seria suficiente, e que essas pessoas seriam eternamente gratas, e que isso automaticamente renderia sucesso eleitoral ao PT/esquerda. Só que, enquanto isso, paralelamente à campanha de destruição do PT promovida pela Lava Jato, Olavo de Carvalho e outros influenciadores do neofascismo e do neoliberalismo, fora os pastores neopentecostais, estavam “fazendo a cabeça” dessas pessoas… E a esquerda, deitada em berço esplêndido, confiando apenas na gratidão… O resultado está aí. Mesmo na governança da nação, o partido do presidente Lula amargou um resultado pífio nas eleições municipais desse ano. Parece haver uma profunda dissociação do eleitor entre a figura carismática de Lula e de seu partido, o PT. Só assim se explica esse fracasso.
Sendo essa a realidade, já faz um bom tempo, há de se perguntar por que a esquerda não evolui? Ou ela é tão limitada assim? Tão apegada a seus dogmas que não mais vê a realidade nua e crua à sua frente? A esquerda emburreceu? Parece, não é mesmo?! Afinal, se vc não se adapta ao “mundo” não espere que o mundo se adapte a você.
O falecido professor Paulo Freire dizia que “se a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é se transformar no opressor”. Paulo Freire é odiado pela extrema-direita por essa e outras frases e, aparentemente, reverenciado pela esquerda pelo mesmo motivo. Só que a esquerda o reverencia, mas não põe em prática o que ele ensinou… Aí facilita muito para a direita, que através das redes sociais propaga os “ensinamentos” reacionários de Olavo de Carvalho e semelhantes… E em pleno 2024 a esquerda não se dá conta disso, prefere atribuir os motivos do fracasso eleitoral à “falha de comunicação” e outras hipóteses genéricas… Mas, no fundo, tudo se traduz na ausência de uma educação libertadora das massas cooptadas pelo pensamento conservador e retrógrado da direita e da extrema direita.
Olhando para o passado, o PT é uma das poucas siglas que não sofreu mudanças significativas. Entretanto, há de se refletir se a velha retórica socialista está caducando? Será que novos conceitos precisam ser internalizados na sociedade? O discurso tradicional está bolorento?
É necessário buscar entender os anseios e dinâmicas dessa nova sociedade, na qual há uma multidão que não tem patrão, ou seja, motoboys, MEI`s e Uber
`s, que trazem uma nova perspectiva das demandas da população mais vulnerável ao discurso da direita e da extrema direita.
Investir em educação é saída a longo prazo, possivelmente, mas, no momento, isso não tem relevância eleitoral. Ainda mais que as redes sociais e a Teoria da Prosperidade conspiram contra a edificação de uma educação formal. Esse é o jogo de xadrez posto.
O saber é libertário. A ignorância é uma benção pois ela nos livra da angústia de saber o quão é aviltante a vida do trabalhador . Através da educação e do saber é que o cidadão se dá conta, de fato, de que é cidadão. Que ele passa a exigir e cobrar de quem decide. E o saber libertário é um perigo para os donos do poder. Daí o esforço em se manter o povo na ignorância.
Internalizar o saber e a consciência política é um processo lento. É um processo trabalhoso. Mas é a única saída sustentável. Paulo Freire ensinou alguma coisa. Darcy Ribeiro, também. Anísio Teixeira antes desses dois… Não se pode jogar tudo isso no lixo, só porque o mundo se transformou num imenso fast food… Através de um processo lento, porém eficaz, como a educação, é possível reverter essa “fastfoodização” das pessoas… Como alguém disse muito tempo atrás: “Estadista é quem pensa na próxima geração e não na próxima eleição”.
* Texto com contribuições inestimáveis dos membros do Grupo Zap Política em Debate. Compilado por José Carlos da Rocha. Grato a todos.
O texto está ótimo, bastante reflexivo! Muito bom!
Bom dia meu amigo. Valeu. Obrigado.