Deu na mídia

Por Política em Debate I Brasília
Em 20/05/2025, 18h10 I Leitura 2 min
O depoimento do general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército na reta final do governo Bolsonaro, ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira (19), tornou-se um dos momentos mais aguardados da investigação sobre a tentativa de golpe após as eleições de 2022. Considerado testemunha-chave, Freire Gomes foi diretamente confrontado pelo ministro Alexandre de Moraes, em um depoimento de mais de 2 horas, por apresentar versões contraditórias em relação ao que havia declarado anteriormente à Polícia Federal (PF).

Durante a audiência, o general afirmou não ter presenciado qualquer conluio entre Bolsonaro e outros comandantes militares para impedir a posse de Lula, versão que diverge do depoimento anterior à PF, no qual relatou que o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, teria se colocado à disposição de Bolsonaro para executar ações golpistas. Moraes não deixou passar a contradição e cobrou clareza: “Ou o senhor falseou a verdade na Polícia Federal ou está falseando a verdade aqui”.
Diante da advertência, Freire Gomes recuou, tentando amenizar possíveis implicações para Bolsonaro e para si próprio, mas manteve o tom de que o Exército não participaria de nenhuma ação fora da legalidade. Ele relatou que alertou Bolsonaro sobre as consequências de medidas inconstitucionais e que o Exército não aderiria a iniciativas que violassem a Constituição.
Pressões externas e o dilema dos generais
A mudança de postura de Freire Gomes pode ser interpretada sob duas óticas principais:
- Pressão externa e ambiente hostil: O depoimento do general ocorre em meio a uma ofensiva inédita contra militares de alta patente, com investigações e denúncias atingindo diretamente o chamado “núcleo operacional” da trama golpista. A Procuradoria-Geral da República (PGR) aponta que esse núcleo atuou para pressionar comandantes das Forças Armadas a aderirem ao golpe, inclusive com ações coercitivas e ataques a quem resistisse. O próprio general Braga Netto, outro nome central, teria hostilizado Freire Gomes por não aderir ao plano.
- Cultura de impunidade: Historicamente, militares envolvidos em episódios golpistas no Brasil raramente foram punidos. A sensação de que “Vai acabar não dando em nada”, frase atribuída ao general Augusto Heleno, ecoa entre oficiais de alta patente, alimentando a expectativa de que a tradição de impunidade se repetiria. Esse contexto pode explicar a hesitação de Freire Gomes em assumir posições mais firmes e comprometedoras, preferindo minimizar sua participação e a de Bolsonaro.
O papel de Freire Gomes no processo e as consequências do recuo
Freire Gomes é peça central para esclarecer até que ponto Bolsonaro liderou a tentativa de golpe e qual foi o envolvimento real dos comandos militares. Seu depoimento, no entanto, revela as dificuldades enfrentadas por testemunhas que carregam não só o peso institucional das Forças Armadas, mas também a pressão de um ambiente político polarizado e de uma tradição de autodefesa corporativa.
A advertência de Moraes e o recuo do general escancaram o dilema: colaborar plenamente com a Justiça e correr o risco de romper com a cultura de blindagem dos militares, ou manter a tradição de omissão e minimizar responsabilidades, apostando que a história se repetirá.
Enquanto o STF avança na análise das denúncias contra o “núcleo dos militares” da trama golpista, o depoimento de Freire Gomes mostra que, pela primeira vez em décadas, os generais brasileiros se veem diante de uma possibilidade real de punição. Resta saber se a Justiça romperá o ciclo de impunidade ou se, mais uma vez, a máxima de Heleno prevalecerá: “Vai acabar não dando em nada”