Movimento pelo fim da escala 6×1 ganha força em meio a debate sobre automação, renda universal e dignidade no trabalho.

Publicado em 16/11/2024, 18:25h

Milhares de trabalhadores de diferentes setores foram às ruas em diversas cidades brasileiras nesta sexta-feira (15) para protestar contra a jornada de trabalho na escala 6×1. Em São Paulo, a manifestação ocupou duas quadras da Avenida Paulista, nos dois sentidos, em apoio à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada pela deputada federal Erika Hilton (PSOL), que busca a redução da jornada para uma escala mais justa e humana. O debate, no entanto, vai além das condições imediatas dos trabalhadores e toca em questões globais sobre o impacto da automação, a redistribuição de empregos e a necessidade de novas políticas de renda.

Na época da abolição da escravidão no Brasil, em 1888, muitos jornais e representantes das elites econômicas previam o colapso da economia, argumentando que a liberdade dos escravizados levaria à falência das fazendas, à escassez de mão de obra e ao caos no sistema produtivo.

No entanto, a economia não apenas sobreviveu, como floresceu, evoluiu, encontrando novas formas de organização e incorporando os trabalhadores libertos, ainda que de forma desigual e marcada por dificuldades históricas.

Assim como no passado, o medo da mudança é muitas vezes baseado em perspectivas de curto prazo e na resistência à redistribuição de oportunidades e benefícios.

A luta pela dignidade no trabalho

A escala 6×1, que permite seis dias consecutivos de trabalho com apenas um dia de descanso semanal, tem sido alvo de críticas de trabalhadores como João Vitor Rodrigues Egydio, de 20 anos. Atendente de padaria, Egydio expressou sua frustração: “Eu não tenho tempo para lazer, profissionalização ou fazer o que gosto. Estamos aqui para mudar isso e garantir que futuras gerações não normalizem essa escala desgastante.”

A coordenadora do movimento Vida Além do Trabalho (VAT), Priscila Araújo, destacou durante o ato a urgência de transformar as condições de trabalho: “Vida Além do Trabalho começa com o fim da escala 6×1. Isso significa acesso à educação, saúde e segurança pública. Essa bandeira une trabalhadores do Norte ao Sul do país.”

De acordo com o jornal O Globo, a proposta em discussão prevê a possibilidade de uma jornada de trabalho de apenas quatro dias, com uma redução do limite semanal de 44 horas para 36 horas.

Entretanto, o limite diário de oito horas de trabalho permanecerá inalterado, e os trabalhadores não sofrerão qualquer redução salarial em função dessa mudança.

Pelas regras atuais da CLT é permitida a jornada de seis dias consecutivos, desde que o trabalhador tenha um dia de descanso ao longo da semana. A proposta reafirma que a duração máxima diária de trabalho continuará sendo de 8 horas e que o total semanal não poderá ultrapassar o atual limite de 44 horas.

Erika Hilton formalizou a proposta, que já vinha ganhando atenção através do Movimento Vida Além do Trabalho, o qual luta pelo fim da exaustiva escala 6×1 e pela implementação de uma jornada mais justa e equilibrada para os trabalhadores brasileiros.

O impacto da automação e a redistribuição do trabalho

Embora a proposta enfrente resistência de setores empresariais, como o comércio e a indústria, o movimento pelo fim da escala 6×1 também dialoga com questões globais mais amplas. Com o avanço da automação, robótica avançada e inteligência artificial, estima-se que milhões de postos de trabalho tradicionais estão sendo eliminados ou transformados em todo o mundo.

Essas mudanças estruturais demandam uma nova abordagem das políticas de emprego e renda. A redução da carga horária semanal, como propõe a PEC, vai ao encontro de esforços globais para redistribuir o trabalho restante entre mais pessoas. Com menos horas de trabalho, novos postos devem ser criados, reduzindo o desemprego e permitindo que mais famílias tenham acesso a uma renda estável.

“O avanço tecnológico não é o inimigo, mas precisamos garantir que ele beneficie a todos e não apenas um grupo seleto. Menos horas de trabalho por pessoa pode significar mais empregos e uma sociedade mais equilibrada,” avalia a economista Laura Alvarenga, especialista em políticas trabalhistas.

Política de renda universal: um complemento necessário

Além da redistribuição do trabalho, movimentos internacionais têm debatido a implementação de políticas de renda universal como forma de garantir que todas as pessoas possam viver de maneira digna, mesmo em um cenário de automação crescente. Países como Finlândia, Canadá e Espanha já testaram iniciativas de renda básica, com resultados promissores no combate à pobreza e na promoção da qualidade de vida.

Segundo Adriana Ferreira, representante da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), a redução da jornada de trabalho pode ser uma etapa importante para preparar o Brasil para um futuro mais automatizado. “Precisamos pensar de forma holística. A jornada de trabalho reduzida não apenas melhora a qualidade de vida dos trabalhadores atuais, mas também abre espaço para reflexões sobre o que significa trabalhar em uma sociedade cada vez mais automatizada. A renda universal, combinada com menos horas de trabalho, pode ser o caminho para uma transição sustentável.”

Diálogo entre progresso tecnológico e bem-estar social

A deputada Erika Hilton reforçou que a PEC busca não apenas melhorar as condições dos trabalhadores, mas também abrir espaço para debates mais amplos sobre o futuro do trabalho: “Queremos discutir com todos os setores da sociedade – trabalhadores, empregadores, especialistas e legisladores – para construir uma proposta que seja economicamente viável e socialmente justa. Reduzir a jornada é um passo rumo a uma sociedade que reconhece o valor do descanso e da dignidade.”

Enquanto o movimento pelo fim da escala 6×1 continua ganhando força, as discussões sobre automação, redistribuição de trabalho e renda universal tornam-se cada vez mais urgentes. A PEC, que já ultrapassou as 200 assinaturas necessárias para tramitar, promete ser um marco no debate sobre as relações trabalhistas no Brasil, conciliando progresso tecnológico com justiça social e qualidade de vida.

Redistribuir o trabalho é redistribuir a renda

Historicamente, o aumento da produtividade devido à tecnologia e ao avanço das condições econômicas não resultou em distribuição equitativa da riqueza. Pelo contrário, o acúmulo de capital tem se concentrado nas mãos de empregadores e grandes corporações, ampliando a desigualdade. Nesse contexto, a redução da jornada semanal emerge como uma medida que não apenas melhora a qualidade de vida dos trabalhadores, mas também redistribui oportunidades, fortalecendo a economia de base e reduzindo as disparidades sociais.

“Quando mais trabalhadores são contratados, há mais renda circulando na economia local. Isso significa famílias mais estáveis, maior poder de compra e um impacto positivo no mercado interno,” analisa a economista Laura Alvarenga.

Caminho para uma sociedade mais justa

A luta pelo fim da escala 6×1 não é apenas sobre dias de descanso ou horas de trabalho. É uma questão de justiça social e de repensar as estruturas econômicas que perpetuam a desigualdade. Ao incentivar a redistribuição do trabalho e, consequentemente, da renda, a PEC tem o potencial de construir uma sociedade mais equitativa. Mais do que um ajuste trabalhista, ela representa um passo rumo a um modelo de economia que prioriza o bem-estar coletivo, reconhece a dignidade de quem trabalha e dá uma resposta concreta às desigualdades estruturais que marcam o Brasil.

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Essa é uma oportunidade histórica de alinhar progresso econômico com inclusão social. Como destacou a deputada Erika Hilton: “A mudança da escala de trabalho é, acima de tudo, uma mudança de paradigma. É a chance de mostrar que podemos crescer como nação sem deixar ninguém para trás.”

Em oposição, em peso, a essa proposta, basicamente de humanização das relações de trabalho, está a bancada bolsonarista. Esses parlamentares estão mais preocupados em poupar os grandes acumuladores de renda de pagarem mais impostos, do que beneficiar o trabalhador.

O ex presidente Jair Bolsonaro ironizou a PEC contra a escala 6×1: “Que tal R$ 10 mil de salário mínimo?” Aliás R$ 10 mil de salário mínimo não seria nada de mais. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), em outubro de 2024, o salário mínimo necessário para a manutenção de uma família de quatro pessoas deveria ter sido de R$ 6.769,87. R$10 mil de salário, ironizado pelo ex-presidente e suas três pensões, seria de aproximadamente 1,5 X do mínimo calculado pelo DIEESE.

Durante o discurso na sede do PL, Bolsonaro disse que a medida traria prejuízos à economia, mas que é necessário ter cautela ao se opor à PEC, definida por ele como “areia movediça”. Sobre a declaração do ex-presidente, não se sabe quem “soprou no ouvido dele” que humanizar as relações de trabalho trará prejuízo à economia. Enfim.

O ex-presidente ainda sugeriu à bancada do Partido Liberal (PL) a agir de “forma maliciosa” em relação à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que visa extinguir a escala de trabalho 6×1. Ele destacou que os parlamentares devem evitar “cair na armadilha” de se posicionar abertamente contra a proposta, considerando que o tema mobiliza fortemente a opinião pública. Nisso, ele acertou.

Enquanto a PEC avança no Congresso, o movimento ganha força como um símbolo de esperança para milhões de brasileiros que buscam não apenas trabalho, mas uma vida mais digna e justa. Se o fim da escala 6×1 for alcançado, não será apenas uma vitória para os trabalhadores, mas para toda a sociedade.

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