
Por Política em Debate, 23/04/2025, 15:45h
Durante séculos, os impérios coloniais europeus — portugueses, ingleses, franceses, holandeses, italianos, belgas e alemães — invadiram, dominaram, pilharam e exploraram o continente africano. O que fizeram ali não foi “civilização”, como insistiam em suas narrativas de dominação. Foi espoliação. Foi roubo sistemático de recursos minerais, bens culturais, corpos humanos escravizados, dignidades arrancadas, fronteiras redesenhadas com régua e violência.

A partilha da África, formalizada na Conferência de Berlim (1884-1885), dividiu o continente entre as potências europeias de forma arbitrária, desconsiderando as fronteiras étnicas, culturais e históricas existentes. Essa imposição gerou divisões artificiais que ainda hoje alimentam tensões e conflitos entre e dentro das nações africanas. A exploração econômica foi desenfreada, com a extração de matérias-primas, e de toda a sorte de bens de algum valor econômico, revertendo-se exclusivamente para o benefício das metrópoles, enquanto as populações locais permaneciam em condições miseráveis, sem acesso ao progresso e à prosperidade que ajudaram a construir.
Com a cumplicidade da cruz e da espada, do comércio e da guerra, a Europa ergueu seu conforto à custa da ruína africana. E essa história, que muitos tentam varrer para debaixo do tapete da memória colonial, agora volta com força. Os filhos do continente saqueado batem à porta dos saqueadores.
Hoje, os africanos buscam reparação justa, histórica, e também uma parcela da riqueza e do bem-estar que as sociedades europeias desfrutam há séculos, e que lhes é devida. A migração em massa para a Europa, portanto, é uma expressão desse desejo legítimo de acesso ao progresso, à fuga da fome e em busca de oportunidades, de ter vidas dignas, que lhes foram negadas. Ninguém quer abandonar a sua terra, o seu lar. Mas os europeus com o saque perpetrado de forma desumana e vil aos povos africanos, forçaram o movimento migratório que se vê hoje. No entanto, a resposta das nações colonizadoras tem sido a rejeição e a criminalização desses migrantes, tratando-os como uma ameaça ou incômodo, em vez de reconhecer o papel histórico que lhes cabe assumir, na criação das condições de desigualdade que se vê hoje.
A União Europeia vem cada vez mais endurecendo suas políticas migratórias, fechando fronteiras, terceirizando centros de detenção e firmando parcerias controversas com países africanos para conter o fluxo migratório, muitas vezes ignorando os direitos humanos e as causas profundas da migração. Essa postura revela uma hipocrisia histórica: enquanto desfrutam do legado colonial, os países europeus negam aos africanos o direito de buscar uma vida melhor, perpetuando um sistema de exclusão e injustiça.
Hoje, quando milhares de africanos tentam atravessar o Mediterrâneo em embarcações precárias, não estão apenas fugindo da fome, da guerra ou do colapso climático. Estão reivindicando o que lhes foi tirado. Estão cobrando a conta que a Europa imaginou que jamais teria que pagar.
Os migrantes africanos não estão "sobrecarregando" a Europa. Em 2020, o número total de migrantes africanos era de 40,6 milhões. Isso representa apenas 14,5% da população de migrantes global, muito menos do que a Ásia (41,0%) e a Europa (22,5%). Menos de um terço (27,2%) de todos os migrantes africanos vive na Europa. Os migrantes africanos constituem menos de 15% da população migrante total em todas as regiões do mundo, exceto a África
Estimativas sobre o valor total dos recursos extraídos da África durante o período colonial variam amplamente, e não há consenso entre os estudiosos sobre cifras exatas por país colonizador. Movimentos como o Pan-Africanismo defendem que a reparação deve incluir juros compostos sobre os recursos roubados desde o século XV, o que elevaria os valores a trilhões de euros. Um relatório conhecido como "Relatório Battle" estima que o custo global do comércio de escravos poderia chegar a 131 trilhões de dólares, considerando os danos provocados durante o período da escravidão e após a abolição. De acordo com esse estudo, as nações escravocratas devem somas astronômicas em reparações. Os Estados Unidos devem quase 27 trilhões de dólares, o Reino Unido 24 trilhões de dólares e Portugal quase 21 trilhões de dólares. Nessa estimativa, o Brasil teria que pagar 4,4 trilhões de dólares. Enquanto países como a Bélgica e a Alemanha enfrentam demandas judiciais específicas, a dimensão total do saque permanece incalculável — não por falta de vontade, mas pela própria natureza predatória do colonialismo, que visava apagar evidências de sua violência. Essas cifras refletem apenas o impacto econômico da escravidão transatlântica e não abrangem a totalidade dos recursos naturais e culturais extraídos durante o período colonial. A Conferência de Berlim (1884-1885) formalizou a divisão da África entre as potências europeias, resultando na exploração intensiva de recursos como ouro, diamantes, petróleo, borracha e outros minerais valiosos. Além disso, práticas como o endividamento ilegítimo das colônias, a imposição de sistemas monetários desfavoráveis (como o franco CFA) e a já citada transferência massiva de riquezas para as metrópoles, contribuíram para o empobrecimento estrutural do continente africano. A colonização africana foi, em essência, um projeto de espoliação e exploração racializada. Terras férteis foram usurpadas. Povos foram escravizados, rotulados como "selvagens" e "incivilizados", tratados como mão de obra descartável. Minerais preciosos foram arrancados do solo africano para alimentar as máquinas industriais e os cofres das metrópoles europeias.
Não há país europeu que não tenha lucrado com o colonialismo. As grandes catedrais, os palácios, os museus repletos de artefatos africanos, os sistemas de saúde e previdência social robustos, os altos índices de desenvolvimento humano: tudo isso foi parcialmente financiado pela ruína de continentes inteiros, especialmente o africano.
E quando os africanos tentam agora buscar uma migalha dessa prosperidade, a resposta da Europa é o cerco, o muro, o campo de refugiados, a deportação e a violência.
A xenofobia europeia contra os africanos não é nova — é apenas a continuação da lógica colonial por outros meios. No passado, o europeu se sentia no direito de entrar e saquear terras africanas. Hoje, sente-se no direito de expulsar os africanos que querem entrar na Europa. De lhes tratar como cidadãos de segunda ou terceira classe, mesmo os nascidos em solo europeu, filhos de migrantes.
A Europa e outros países como os Estados Unidos e o Brasil, devem à África reparações concretas. Devem investimento em infraestrutura, saúde, educação, tecnologia. Devem abrir as portas, não como caridade, mas como obrigação histórica.
Sobre o colonialismo europeu, se pode dizer que não foi um erro: foi um projeto. Um projeto consciente de dominação, exploração e destruição. O mínimo que se espera é que o mesmo projeto — agora em sua forma econômica e migratória — seja desmontado e que esses mesmos países apoiem as nações africanas na busca por saúde, educação, bem estar, progresso, reparação financeira, repatriação dos bens culturais roubados e expostos em sus museus, e qualidade de vida.
Mas a Europa finge que esse problema também não é dela. Ela dá de costas a essa incômoda verdade. A erudita (sic) e rica Europa prefere tratar os africanos como “problema migratório”, não como vítimas de uma arquitetura secular de pilhagem.
Enquanto isso, os barcos com os migrantes africanos seguem chegando. E com eles, a história cobra o que lhes é devido.
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