Enquanto o mundo lamenta a perda de um líder espiritual comprometido com os pobres e com a justiça, oportunistas tentam capitalizar politicamente o luto — mesmo após anos de desprezo, insultos e ataques ao pontífice.
Por Política em Debate, 21/04/2025, 13:02h
A morte de Papa Francisco, aos 88 anos, levou líderes de todo o mundo a expressarem pesar por sua partida e reconhecimento por seu legado. No Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro, que em vida tratou o pontífice com frieza, desprezo e até escárnio, surpreendeu ao publicar nesta segunda-feira (21) uma mensagem em tom solene nas redes sociais.

“O mundo e os católicos se despedem daquele que ocupava uma das figuras mais simbólicas da fé cristã: o Papa. Mais que um líder religioso, o papado representa a continuidade de uma tradição milenar, guardiã de valores espirituais que moldaram civilizações”, escreveu Bolsonaro em sua conta no X (antigo Twitter).
E concluiu: “Sua partida nos lembra da força da espiritualidade como guia para tempos de incerteza.”
A súbita reverência, no entanto, contrasta de forma gritante com a postura adotada por Bolsonaro durante seu mandato e mesmo após deixar a presidência. O ex-capitão evitava citar o Papa Francisco pelo nome, preferindo se referir a ele como “a figura do Papa”, num tom calculadamente distante. Em um episódio amplamente divulgado nas redes, enquanto estava internado na UTI, Bolsonaro chamou o pontífice de “papa comunista”, termo que se tornaria um bordão entre seus apoiadores mais radicais.

Francisco foi alvo de sucessivos ataques do ex-presidente e de seus aliados por defender pautas sociais e ambientais, por denunciar a destruição da Amazônia — tema de sua exortação apostólica Querida Amazônia — e por falar em nome dos pobres, dos indígenas, dos marginalizados, dos refugiados, dos homossexuais e do povo palestino.
Bolsonaro ironizou o Papa ao afirmar: “A Amazônia é nossa, o Papa é argentino, mas Deus é brasileiro”, numa frase que reflete mais do que um nacionalismo simplista: mostra o esforço consciente de desqualificar a autoridade moral de Francisco, por este se posicionar contra os pilares da política bolsonarista — o negacionismo ambiental, o conservadorismo autoritário e a instrumentalização da fé.
Ao longo de seu mandato, Bolsonaro exaltou o Papa Bento XVI como o “verdadeiro Papa”, numa tentativa de negar a legitimidade do papado de Francisco, associando-o a uma suposta “teologia marxista da libertação”. A guerra cultural, tão central ao bolsonarismo, encontrou no Papa um adversário simbólico — e, por isso mesmo, era necessário atacá-lo.
Agora, com a morte de Francisco, a súbita mudança de tom levanta uma pergunta inevitável: Bolsonaro lamenta a perda de um líder espiritual… ou apenas tenta reescrever a própria história para não ser cobrado por sua hostilidade em vida?
A retórica pomposa e vaga da nota publicada hoje parece mais um ato de cálculo político do que um gesto genuíno. Afinal, a hipocrisia costuma andar de mãos dadas com o oportunismo.
Francisco era, de fato, um líder espiritual — mas não qualquer um. Era um homem que acreditava no Evangelho como ferramenta de libertação, que falava aos pobres e que denunciava os ricos e poderosos. Um papa incômodo para os que veem a religião apenas como palanque, e não como prática de compaixão.
E isso, Bolsonaro jamais perdoou.
Respostas de 2