22 de fevereiro de 2023, 16:45h

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apelou à Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) para que seja regulada as mídias sociais como forma de combate à desinformação. O documento destaca que, enquanto as plataformas digitais trazem benefícios incontestáveis para as economias e as sociedades, elas também estão distribuídas de maneira desproporcional entre as pessoas de diferentes níveis de renda.

Essa desigualdade tem amplificado o poder concentrado nas mãos de poucas empresas e países, ao mesmo tempo em que ameaça a democracia e a convivência civilizada entre as pessoas. A pandemia de Covid-19 trouxe à tona a importância de informação confiável e precisa, pois a disseminação de desinformação pode ter contribuído para milhares de mortes. Além disso, os discursos de ódio têm sido uma grande preocupação, especialmente para os setores mais vulneráveis das sociedades.

Por isso, é importante que as mídias sociais sejam reguladas para garantir que os usuários tenham acesso a informações verdadeiras. Uma regulamentação adequada e eficaz pode assegurar que todos os usuários da internet tenham acesso a conteúdos confiáveis e isentos de preconceitos ou abusos de poder. A regulamentação pode também ajudar na prevenção de fraudes e na proteção de informações confidenciais.

O Presidente ainda destacou na Carta os ataques golpistas ocorridos em 8 de janeiro em Brasília, contra as sedes dos Três Poderes. Ele considerou que isso foi o resultado de uma campanha longa, que usou a desinformação, a mentira e teve como objetivo desacreditar a democracia e a credibilidade das instituições brasileiras.

O evento da UNESCO será em Paris conta também com a participação do ministro do STF Luís Roberto Barroso e do influenciador Felipe Neto.

Veja o teor da Carta.

“À Sua Excelência a Senhora
Audrey Azoulay
Diretora-Geral da UNESCO

Senhora Diretora-Geral,

Gostaria de agradecê-la pelo convite para participar da Conferência Global da UNESCO que será realizada em Paris entre os dias 22 e 23 de fevereiro de 2023.

As plataformas digitais, em suas diferentes modalidades, são parte fundamental de nosso dia-a-dia. Elas definem a maneira como nos comunicamos, como nos relacionamos e como consumimos produtos e serviços. O desenvolvimento da internet trouxe resultados extraordinários para a economia global e para nossas sociedades. As plataformas ajudam a promover e difundir o conhecimento. Facilitam o comércio. Aumentam a produtividade. Ampliam a oferta de serviços e a circulação de informações.

Esses benefícios, no entanto, estão distribuídos de maneira desproporcional entre as pessoas de diferentes níveis de renda, ampliando a desigualdade social. O ambiente digital acarretou a concentração de mercado e de poder nas mãos de poucas empresas e países. Trouxe, também, riscos à democracia. Riscos à convivência civilizada entre as pessoas. Riscos à saúde pública. A disseminação de desinformação durante a pandemia contribuiu para milhares de mortes. Os discursos de ódio fazem vítimas todos os dias. E os mais atingidos são os setores mais vulneráveis de nossas sociedades.

O mundo todo testemunhou o ataque de extremistas às sedes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do Brasil no último 8 de janeiro. Ao fim do dia, a democracia brasileira venceu e saiu ainda mais forte. Mas nunca deixaremos de nos indignar com as cenas de barbárie daquele domingo.

O que ocorreu naquele dia foi o ápice de uma campanha, iniciada muito antes, que usava, como munição, a mentira e a desinformação. E tinha, como alvos, a democracia e a credibilidade das instituições brasileiras. Em grande medida, essa campanha foi gestada, organizada e difundida por meio das diversas plataformas digitais e aplicativos de mensagens. Repetiu o mesmo método que já tinha gerado atos de violência em outros lugares do mundo. Isso tem que parar.

A comunidade internacional precisa, desde já, trabalhar para dar respostas efetivas a essa questão desafiadora de nosso tempo. Precisamos de equilíbrio. De um lado, é necessário garantir o exercício da liberdade de expressão individual, que é um direito humano fundamental. De outro lado, precisamos assegurar um direito coletivo: o direito de a sociedade receber informações confiáveis, e não a mentira e a desinformação.

Também não podemos permitir que a integridade de nossas democracias seja afetada pelas decisões de alguns poucos atores que hoje controlam as plataformas. A regulação deverá garantir o exercício de direitos individuais e coletivos. Deverá corrigir as distorções de um modelo de negócios que gera lucros explorando os dados pessoais dos usuários. Para ser eficiente, a regulação das plataformas deve ser elaborada com transparência e muita participação social. E no plano internacional deve ser coordenada multilateralmente. O processo lançado na UNESCO, tenho certeza, servirá para construção de um diálogo plural e transparente. Um processo que envolva governos, especialistas e sociedade civil.

Ao mesmo tempo, devemos trabalhar para reduzir o fosso digital e promover a autonomia dos países em desenvolvimento nessa área. Precisamos garantir o acesso à internet para todos, fomentar a educação e as habilidades necessárias para uma inserção ativa e consciente de nossos cidadãos no mundo digital. Países em desenvolvimento devem ser capazes de atuar de forma soberana na moderna economia de dados, como agentes e não apenas como exportadores de dados ou consumidores passivos dos conteúdos.

Esta conferência na UNESCO é o início de nosso debate, e não seu ponto final. Estou certo de que o Brasil poderá contribuir de forma significativa para a construção de um ambiente digital mais justo e equilibrado, baseado em estruturas de governança transparentes e democráticas.

Aproveito a oportunidade para apresentar os votos de minha mais alta estima e consideração.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Presidente da República Federativa do Brasil”

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